terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Contagem decrescente

Tinha-a visto sair apressada. As botas, o gorro, o casaco e passos largos para acompanhar o bicho. Teria tempo de a apanhar na próxima curva, antes de chegar ao café, se calçasse as botas, enfiasse o chapéu, saltasse as escadas duas a duas e contornasse o prédio pela esquerda. O cachorro pararia, pelo menos, vinte vezes, para deixar o seu cheiro pelo caminho. Teria de ser rápido. Entrou no café, encostou-se ao balcão e ficou a olhar a porta. Passaria dentro de momentos por ali. Ele sabia-o. Todos os fins da tarde. O mesmo percurso. Café? Sim, respondeu sem olhar. Mais alguns segundos. Doze, onze, dez, nove, oito, sete, seis, cinco, quatro, três

dois, uma contagem decrescente para uma crescente ânsia de lhe falar. Entrar dentro dos seus olhos, como quem penetra no abismo, e procurar, em todos os recantos, as suas orgânicas criaturas. Seres disformes que escondemos dentro de nós e que temos receio de revelar. Figuras indescritíveis. Corpos trucidados por comboios. Olá, dir-lhe-ia.

um, e o que se seguiria? Não encontrou mais nada, além dessa breve e ridícula introdução de conversa.

zero.